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A cadeia de frio: o grande novo desafio logístico do varejo alimentar

Publicado em 13/10/2021

É necessário que haja uma logística alavancada com fornecedores locais e melhor compatibilidade entre canais de distribuição, principalmente nas praças do Nordeste e Sul do Brasil


Foto: Divulgação

Artigo | Por Maggie Aquino* e Chris Mejía Argueta**

A falta de flexibilidade na rede de abastecimento de alimentos pre-pandémica trouxe um grande desafio em 2020 que até hoje está sendo resolvido: a necessidade de configurar cadeias de suprimentos de alimentos mais robustas, ágeis e curtas usando embalagens e distribuição para favorecer o frescor e a acessibilidade dos alimentos. Como se não bastasse, as mudanças nos consumidores durante a crise da Covid- 19 e seus diferentes estágios moldaram a frequência, a quantidade e a variedade de produtos adquiridos pela população e impactaram as cadeias de suprimentos. Os estágios ocorreram a diferentes velocidades e fora de fase entre o Brasil e outros países, assim como as diferentes políticas de contenção adotadas pelos estados brasileiros.

Os hábitos dos consumidores estão mudando drasticamente mês a mês nesta incerteza de reabertura da economia, assim como a disponibilidade de produtos no varejo. Existe cada vez menos fricção no disputado mercado de pagamentos com players como (produtos da Nubank, MercadoPago, Pix e pagamentos pelo próprio WhatsApp). As mudanças tiveram e terão impacto direto no consumo e, consequentemente, na distribuição dos produtos principalmente no varejo alimentar. No Brasil, há maior cautela em relação aos gastos na economia como consequência direta da perda de empregos, falta de fundos e aumento das restrições de mão de obra e mobilidade. Assim, a pandemia ameaça a segurança alimentar: carnes, laticínios, frutas, legumes e vegetais são essenciais para uma dieta saudável, mas estão se tornando mais caros e escassos em áreas vulneráveis.

DESAFIOS LOGÍSTICOS

O manuseio, armazenamento e transporte desses produtos continua sendo um grande desafio. É necessário que haja uma logística alavancada com fornecedores locais e melhor compatibilidade entre canais de distribuição, principalmente nas praças do Nordeste e Sul do Brasil. Além disso, as previsões de demanda nos próximos meses devem colocar a evolução do consumidor em primeiro lugar (se for possível prever ela), e entender como canais tradicionais como lojas de varejo (mercadinhos), ou novos canais como comércio eletrônico e entrega em domicílio marcarão o desenho de redes logísticas em volume, frequência e forma.

Por outro lado, a escassez de capacidade logística em termos de veículos, pessoal e equipamento logístico durante a pandemia é um fenômeno que deve ser monitorado e controlado de forma proativa. Um tipo especial de capacidade são as cadeias de frio, que permitem manter uma temperatura controlada (resfriados e congelados) para produtos perecíveis desde o fornecedor até o ponto final de venda (varejo ou consumidor final).

Do ponto de vista estratégico e tático, as cadeias de frio permitem estender a vida útil dos produtos, além de manter seu frescor, textura, cor e qualidade. Um objetivo adicional dessas cadeias é evitar a contaminação dos alimentos, sua perda e os altos custos associados. A temperatura nas cadeias de abastecimento foi analisada na indústria de uma perspectiva logística com foco na análise do ciclo de vida; mas existem poucas análises de custo-benefício do investimento em infraestrutura e equipamentos como veículos com vários compartimentos em diferentes temperaturas para a transferência de produtos e o uso de embalagens com monitoramento de temperatura ou ambiente modificado para preservar os produtos por mais tempo considerando a engenharia e ciência alimentar para melhorar a disponibilidade em áreas vulneráveis.

Do ponto de vista operacional, alguns especialistas se propõem a compreender e mapear o número de movimentos de produtos necessários, avaliar a oportunidade de consolidar fisicamente as operações no mesmo local, avaliar a localização do referido ponto de abastecimento em relação ao mercado final ou fornecedores e a capacidade das instalações e equipamentos de manutenção da cadeia de frio em função das necessidades de cada produto.

Com o crescimento da produção e do abastecimento local, a capacidade instalada de logística a frio é limitada e com restrições de circulação, há também a necessidade de minimizar os riscos e seus impactos. A redução do movimento ocioso e a consolidação das operações podem otimizar as operações locais. Isso se soma a gerar um raio de atenção à demanda nos mercados próximos para obter economias de escala ou densidade, realizar um mapeamento contínuo de riscos para aumentar a resiliência, agilidade e gerar planos de contingência no transporte, bem como um plano ativo de retenção e atração de os clientes através de canais locais e tradicionais com o uso de tecnologia existente, ajudariam as cadeias de frio a otimizar seus processos e aumentar seu banco de dados para uma tomada de decisão mais eficaz e personalizada.

É importante ressaltar que a logística dos alimentos in natura não termina quando o caminhão é descarregado no ponto de entrega. No caso do varejo, o desafio de manter as propriedades dos alimentos continua. A falta de uma rede de frio nos mercados emergentes e o aumento do desperdício de alimentos e as perdas financeiras são substanciais. No comércio local, no varejo de vizinhança (mercadinhos), não há experiência, escala e capital para profissionalizar o armazenamento e distribuição por meio de investimentos na cadeia de frio como uma simples geladeira. Ao mesmo tempo, o setor privado está lutando para encontrar a lucratividade de projetos de armazenamento de longo prazo e precisará estabelecer parcerias com os elos da cadeia para rentabilizar – exemplo, marketplaces e tradicionais brick and mortars.

A falta de logística refrigerada é um fator que contribuiu para priorizar modelos de distribuição de lead-times curtíssimos. A pandemia fez os brasileiros utilizarem alternativas de abastecimento a domicílio, alavancado por sites e apps. E muitos conseguiram traduzir isto na nova era pós-COVID-19 em novos modelos de negócios lucrativos e com impacto: dark-stores, logística de plataforma, marketplaces para mercados de vários tamanhos. Esses novos modelos da nova economia ajudam no desenvolvimento de um sistema econômico e social, hubs comunitários, baseados na comercialização do varejo de vizinhança.

A colaboração para transportar produtos perecíveis desde a loja até o cliente e manter a refrigeração entre eles é fundamental, como é o caso no Brasil entre grandes empresas, academia, startups, ONGs e órgãos governamentais. E já existem hoje inúmeros exemplos disso.

RECOMENDAÇÕES E CONCLUSÕES

As possibilidades de melhoria são amplas face à atual pandemia, mas como especialistas na área, fazemos as seguintes recomendações para melhorar a rede de frio, combater a insegurança alimentar e desenvolver novos modelos de negócio.

Para a indústria alimentar e varejistas

  1. Otimizar as operações alinhando a ordenação do picking e roteirização, reduza o movimento na coleta com práticas de intralogística e faça uma análise do impacto das variações de temperatura em seus produtos para evitar perdas de produto e esforços.
  2. Desenhar um treinamento para a equipe responsável da separação aprofundado na seleção de perecíveis, pensando até nos desafios logísticos e tempo em rota que a carga irá suportar. Lembre-se que na nova economia, a equipe pode ou náo ter uma relação trabalhista direta com a sua operação – e o treinamento deve contemplar isso.
  3. Definir uma rede logística ideal para reduzir o tempo de entrada no mercado e promover operações lucrativas e eficazes na cadeia de suprimentos – alavancado em proximidade, como por exemplo uma rede que inclui dark-stores.
  4. Sincronizar os períodos de colheita e maturação entre agricultores, distribuidores, comerciantes e o mercado final para acelerar a movimentação de produtos agrícolas, com uma abordagem de colheita sob demanda para reduzir a necessidade de transporte refrigerado e a possibilidade de perdas.
  5. Aprender com os casos de movimentação de laticínios e outros produtos perecíveis na Índia e na África com as redes Shakti e Dabawallas ajudaria a entender os fundamentos das redes básicas, com pouco investimento em ativos embora com alto índice de eficácia para a sincronização e melhoria de processos.
  6. A troca de empresas e organizações essenciais e não essências durante a pandemia gerou um espaço de colaboração que precisa ser preservado: compartilhar práticas e pessoal qualificados de entrega, manuseio e armazenamento em tempos de crise deveria se manter na pós pandemia.

PARA TRANSPORTADORAS E AUTÔNOMOS

  1. Complemente os serviços de transporte com cálculos de capacidade cúbica para equilibrar entre a ocupação ideal do veículo e ofereça alternativas de cadeia fria para atingir e manter a temperatura certa de alimentos.
  2. Incentivar a utilização de sistemas de roteirização que reduzam o tempo de entrega e integrem, quando possível, a logística do first e last mile, para evitar variações térmicas.
  3. Investir em sistemas de monitoramento de temperatura com tecnologias de captura e controle de temperatura e umidade. Essas informações devem ser analisadas em profundidade para uma tomada de decisão mais inteligente baseada em uma torre de controle.
  4. Aumente a consolidação da carga usando veículos com várias temperaturas ou analisando a compatibilidade do produto e evitando a contaminação cruzada.
  5. Assumir, quando necessário, a gestão de embalagens retornáveis e a logística reversa de sacolas térmicas, caixas de isopor o qualquer outro dispositivo de baixo custo para manter o acondicionamento dos produtos.

PARA A INDÚSTRIA DE EMBALAGENS

  1. Desenvolvimento de novas embalagens para a indústria de alimentos que hoje opta pela logística de proximidade urbana (bicicleta, motocicleta, utilitários) para produtos resfriados e congelados.
  2. Novas alternativas de distribuição de alimentos refrigerados com embalagem retornável, incluindo logística reversa.

 

* MSc. Maggie Aquino é Digital Operations Manager do Grupo Big e Affiliate Research Assistant no MIT Food and Retail Operations Lab

** PhD. Chris Mejía Argueta é Research Scientist no MIT Center for Transportation & Logistics

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