Casos bem-sucedidos de transformação omnichannel mostram que existem elementos importantes que complementam os já conhecidos desafios de negócio, processos, ferramentas e tecnologias
Por Ricardo Ruiz Rodrigues *
Transformação omnichannel: um desafio além de processos e tecnologia (Foto: Freepik)
Os casos bem-sucedidos de transformação omnichannel nos mostram que existem elementos importantes que complementam os já conhecidos desafios de revisão completa das regras de negócio, processos, ferramentas e tecnologias que norteiam esta jornada.
Trata-se de sete elementos complementares, detalhados a seguir, que devem receber igual atenção e energia, pois negligenciá-los tem resultado em resultados frustrantes neste importante processo transformacional na era dos negócios digitais.
A TRANSFORMAÇÃO DEVE SER PRIORIDADE ESTRATÉGICA DA EMPRESA
A transformação omnichannel afeta todas as áreas da empresa, desde vendas até a controladoria, da logística até a tecnologia, de compras até marketing. Empresas que relegam a transformação omnichannel para uma única área, ou ainda designam esta missão para uma área de “Projetos Especiais” corporativa sem um direto compromisso estabelecido com as demais áreas da empresa, não tem conseguido evoluir na transformação.
E as que conseguem evoluir de alguma forma, por falta de alinhamento entre as áreas, acabam não trazendo uma experiência fluida, intuitiva e simples para a jornada do cliente, que é uma característica marcante da omnichannelidade.
Os casos de sucesso mostram que o movimento precisa vir de cima e com forte viés estratégico – em outras palavras, é a alta direção que tem que promover e impulsionar esta transformação, provendo apoio e exigindo engajamento de cada área para tornar a omnichannelidade uma nova dinâmica de se fazer negócios e servir o cliente.
Os processos em um negócio omnichannel trazem mudanças em todas as etapas da cadeia de valor e altera a maneira como se controla e como se tomam as decisões na empresa. Logo, a omnichannelidade precisa necessariamente ser construída de maneira harmônica e em conjunto pelas áreas.
DESENHAR E CONDUZIR A TRANSFORMAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DO CLIENTE
Há muitos casos de resultados decepcionantes na transformação omnichannel, pois as empresas desenharam e executaram esta mudança a partir do seu próprio ponto de vista e também de forma muito técnica, sem se preocupar em entender no detalhe como se dá a interação com o consumidor, mais diversas situações e onde estão as oportunidades de encantá-lo e torná-lo mais leal.
Em outras palavras, a empresa precisa tornar-se verdadeiramente centrada no cliente (customer centric, em inglês) para que a transição omnichannel traga os resultados esperados. Ser customer centric primeiramente significa conhecer profundamente a Jornada do Cliente e com isso desenhar de forma clara, e sob a perspectiva deste cliente, uma Proposta de Valor correspondente.
Outro elemento importante das empresas customer centric é que há um peso maior nas metas dos executivos ligadas a índices de satisfação e fidelidade dos consumidores, o que faz com que a empresa concentre suas energias mais em projetos que tragam melhorias palpáveis nestes indicadores, gerando uma evolução positiva contínua na percepção dos consumidores em poucos anos.
DEFINIR METAS DE IMPACTO COMPARTILHADAS
Este elemento complementa o anterior e contribui muito para que todas as áreas da organização se engajem e dediquem energia para executar as mudanças de processos e regras de negócio demandadas pela transformação omnichannel. Nos casos mais bem sucedidos a alta direção demanda e desenvolve, com o apoio de Gestão de Pessoas, um sistema de metas que segue as seguintes regras de ouro:
a) As metas de negócio são universais, e distribuídas com mais peso entre as áreas que mais impactam as mesmas. Não se deve ter metas adaptadas por área, e evitar ao máximo metas exclusivas de uma área.
b) Deve-se dar bom peso às metas que refletem a experiência do cliente na ponta, ou que tenham grande correlação com a satisfação (ou não) percebida pelo cliente em uma relação clara de causa-efeito. Estas metas devem dividir bom espaço com as metas financeiras e de resultado.
c) A quantidade de metas deve ser compatível com a complexidade do negócio, evitando-se sempre a perda de foco com muitas metas diferentes.
d) Estas metas são soberanas às outras metas criadas nas áreas da organização. Demais metas, quando existirem, devem ser usadas para suportar o alcance das metas principais ou mitigar riscos.
E por fim, não custa nada reforçar que as metas contenham métricas fáceis de explicar, medir e apurar, e que a apuração do mérito seja um cálculo simples, confiável e direto.
ALINHAR A CULTURA, ATITUDES E COMPORTAMENTOS DA EMPRESA AO NOVO CONTEXTO
Aqui também é fundamental o envolvimento da alta organização em conjunto com o RH para mapear a Cultura Organizacional e identificar os gaps comportamentais que a distanciam das empresas ágeis, dinâmicas, flexíveis, focadas no cliente e com altos índices de satisfação e engajamento entre seus colaboradores.
Estas características são normalmente encontradas nas startups que se tornaram novos negócios de sucesso e são representadas pelas seguintes competências comportamentais: visão de negócio ponta-a-ponta, espírito empreendedor, capacidade de fazer acontecer, inconformismo, colaboração, interação, e conhecimento a fundo do cliente.
Na observação dos casos de sucesso em omnichannelidade, nota-se que as empresas se preocuparam em fazer esta autoanálise, definir seu novo jeito de atuar, mapear os gaps e implementar medidas para alinhar as competências comportamentais da organização a este novo jeito.
TER AVIDEZ POR DADOS E INFORMAÇÕES
Este fator diz respeito ao quanto a organização se preocupa com a qualidade das suas tomadas de decisão a partir dos fatos e dados sobre os quais se baseia. Esta qualidade é fundamental para a empresa conseguir conduzir a agenda da transformação na direção e velocidade certos e também para adaptar-se e se antecipar às tendências.
No ambiente de negócios atual, o volume e riqueza de informações que se pode obter (big data) está se chocando com a dura realidade da dificuldade em transformá-las em algo que de fato ajude a empresa não só a gerir sua rotina, mas também realizar próximos movimentos certeiros (valuable information).
Por esta razão é importante a empresa criar e desenvolver progressivamente uma prática de gestão orientada a dados (Data-driven) em conjunto com o processo de transformação omnichannel.
Em muitos dos cases de sucesso nota-se a promoção deste movimento por parte da alta direção, com a criação de um núcleo especializado para estruturar, governar e disseminar esta prática na empresa, cuidando de sua evolução com o tempo. Dependendo do nível de maturidade da empresa neste sentido, a transição para esta prática pode ser mais penosa e demorada – por esta razão, deve começar quanto antes.
Por fim, é um engano achar que uma forte cultura Data-driven enfraquece a intuição, que também é uma característica importante para o sucesso das transformações e dos negócios. Na verdade, ambas se complementam e se apoiam.
CONCEBER OPERAÇÕES FLEXÍVEIS E ADAPTÁVEIS
O consumidor e as regras do jogo dos negócios mudam em uma velocidade cada vez maior, e os negócios omnichannel trazem ainda mais dinamismo ao ambiente operacional da empresa. Com isso, tem que
se ter cuidado ao desenhar operações industriais, logísticas e de venda e atendimento para que estas possam acompanhar estas mudanças. Desde o desenho de lay-outs, passando pela seleção de sistemas e encerrando em contratos com parceiros, deve-se sempre prever a necessidade de revisar condições e realizar mudanças para se adaptar a novos contextos e realidades, mesmo que isto ocorra com certo sacrifício do melhor custo – os custos e/ou penalidades para adaptar-se futuramente a um cenário não previsto normalmente são maiores do que a economia que a rigidez em estruturas e contratos traz no curto prazo.
APRENDER E EVOLUIR CONTINUAMENTE — E RÁPIDO
As organizações que melhor evoluem no ambiente super-dinâmico dos negócios de hoje são as que valorizam a prática do aprendizado rápido e contínuo a partir especialmente das falhas (em ambiente controlado) observadas na implementação das melhorias e/ou inovações.
Aqui entra a prática de implementar um Produto Mínimo Viável para iniciar mais rapidamente este processo de aprendizado que, com evoluções sucessivas posteriores, se tornará um produto robusto e, principalmente, que surpreenda o cliente.
Adicionalmente, as empresas que melhor trilham esta transição organizaram seus recursos de forma dinâmica, em torno de objetivos comuns e aplicando os novos métodos ágeis na resolução de problemas e no de desenvolvimento de produtos e processos, quebrando a rigidez imposta pelo organograma tradicional.
TRABALHO SÉRIO E CONSISTENTE RUMO À TRANSFORMAÇÃO OMNICHANNEL
O objetivo deste artigo ilustrar ao leitor os principais fatores que devem se juntar à já desafiante agenda de tecnologia e processos que a transformação digital e omnichannel que as empresas precisam passar.
No espaço deste artigo, chamou-se a atenção a sete pontos e sua importância para que o líder reflita sobre como está hoje sua organização nestes termos e comece já um trabalho para endereçar os maiores gaps identificados.
Um trabalho sério e consistente, levando-se em conta estes fatores, é o que nos ensinam as empresas que estão melhor trilhando o caminho da transformação omnichannel.
* Ricardo Ruiz Rodrigues é professor e consultor, integrando o time de sócios da Connexxion Consulting, especializada em Supply Chain e Logística.