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Dia do Motorista: 7 em cada 10 profissionais não se veem na profissão daqui a dez anos

Publicado em 25/07/2023

Conforme pesquisa do Clube da Estrada, 69,6% dos participantes acham que a profissão irá piorar; segurança nas estradas e ofertas de pontos de parada/descanso foram citadas como pontos de melhoria

Por Christian Presa

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Pesquisa teve a participação de aproximadamente 500 profissionais (Foto: Freepik)

Em meio à crescente discussão sobre o fortalecimento das ações sociais que contemplam a agenda ESG no setor de logística, um levantamento realizado pelo Clube da Estrada revelou um percentual que serve de alerta. De acordo com a pesquisa, 71% dos caminhoneiros entrevistados não se veem atuando na profissão nos próximos dez anos.

Realizado em prol do Dia do Motorista — comemorado neste 25 de julho —, o levantamento teve a participação de aproximadamente 500 profissionais. Segundo o Clube da Estrada, 77,5% dos respondentes da pesquisa são empregados de frota, 52% têm entre 40 e 49 anos, 71,6% ganham até cinco mil reais por mês e 88,3% não possuem caminhão.

“[A pesquisa mostra que] os caminhoneiros enxergam que a vida deles não vai melhorar ou vai melhorar pouco nos próximos dez anos. Isso pode se explicar pelo fato de mudanças estruturais demorarem, tanto em infraestrutura quanto em relação a áreas de apoio”, destacou Thomas Gautier, CEO do Freto, logtech que mantém o Clube da Estada desde dezembro de 2021. “No Brasil, o modal rodoviário é predominante. Então, o governo e a iniciativa privada precisam se unir para melhorar as condições de vida dos caminhoneiros.”

O executivo salientou que as atividades do Clube da Estrada em prol de melhorar a rotina dos motoristas. “Estamos acolhendo os caminhoneiros todos os dias nas estradas, providenciando áreas de descanso e possibilitando que eles se conectem com a família. Além disso, oferecemos suporte médico, porque sabemos que 70% dos caminhoneiros não têm plano de saúde.”

Atualmente, o Brasil tem mais de 1,2 milhão de transportadores, divididos entre caminhoneiros autônomos (964.483), empresas de transporte (312.883) e cooperativas de transporte (574). Os dados são da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), divulgados em junho de 2023.

A PROFISSÃO NA PRÓXIMA DÉCADA

Por meio da pesquisa, os caminhoneiros puderam escolher, entre múltiplas alternativas, as melhorias que devem ocorrer no setor ao longo da próxima década. O ponto mais citado foi o de segurança nas estradas, com 78% dos respondentes escolhendo essa alternativa. Na sequência, vieram questões como a oferta de pontos de parada/descanso (76%) e a melhoria de infraestrutura (71,4%).

Em comparação, aspectos que, no geral, são prioritários na pauta dos gestores não tiveram a mesma importância entre os caminhoneiros entrevistados: a diminuição do preço do diesel e o aumento do preço de frete foram escolhidos por 16% e 20,5% dos respondentes da pesquisa, respectivamente.

O levantamento realizado pelo Clube da Estrada também questionou a perspectiva dos participantes em relação à profissão daqui a dez anos, e 69,6% dos caminhoneiros responderam acreditarem que a profissão estará pior.

No entanto, o impacto da tecnologia também foi mencionado — e celebrado. De acordo com os dados divulgados, 77% dos caminhoneiros entrevistados dizem que a tecnologia foi responsável pelas principais melhorias nas estradas e 85,7% acreditam que os avanços tecnológicos irão melhorar a profissão na próxima década.

CENÁRIO GLOBAL

Isso não é exatamente uma novidade — pelo menos, não no Brasil. Em 2018, a BBC Brasil deu destaque à falta de caminhoneiros nos Estados Unidos, apontando o encarecimento do serviço de transporte como uma das razões para o déficit, deixando empresas desfalcadas de profissionais que buscaram condições melhores em outras companhias. Outra possível razão foi o aumento exponencial de demanda devido à expansão do comércio eletrônico.

Em abril do ano passado, o Estradão publicou uma matéria sobre as oportunidades para motoristas brasileiros nos EUA, frente à escassez de profissionais estadunidenses. Segundo a American Trucking Association (ATA, ou Associação Americana de Caminhões, em português), havia, na época, uma defasagem de 60 mil vagas nos Estados Unidos — número que deverá chegar a 100 mil até o fim de 2023. A falta de caminhoneiros também facilitou a contratação de profissionais estrangeiros na Europa, que deve ver a falta de motoristas triplicar até 2026, conforme projeção da União Internacional do Transporte Rodoviário (IRU).

Diante desse cenário, os profissionais brasileiros estão requisitados no exterior. Nos Estados Unidos, por exemplo, a renda dos motoristas varia entre US$ 60 mil e US$ 70 mil por ano — uma média de US$ 5 mil mensais, o que corresponde a cerca de R$ 23,6 mil em conversão direta. Já na Europa, a média de vencimentos fica em torno de 3 mil euros por mês — R$ 15,71 mil, em conversão direta.

ESG NA LOGÍSTICA BRASILEIRA: FOCO NO PILAR “S”

A edição de julho/agosto da revista MundoLogística enfatizou o status da agenda ESG na logística brasileira. Entre os temas discutidos, a publicação trouxe o caso de sucesso da Raízen, que desenvolve uma série de ações com foco em segurança e bem-estar dos motoristas — coincidentemente, os dois pontos mais citados pelos participantes da pesquisa do Clube da Estrada.

Na entrevista, o diretor de Logística da companhia, Rafael Alvarez, descreveu as práticas em ações como o Rodeio de Caminhões — que reconhece profissionais com boas práticas de segurança —, a instalação de câmeras de fadiga nos veículos e o foco em garantir que o trabalho dos motoristas seja desempenhado com respeito à jornada, à refeição decente e à qualidade de sono.

De acordo com ele, é fundamental que essas ações sejam apoiadas por tecnologia, mas não só isso. “O primeiro é ter processos devidamente estabelecidos, com a tecnologia auxiliando nisso — e não a tecnologia por si só. Ela serve para facilitar a gestão daquilo que é crucial para o negócio.”

Além disso, o executivo enfatizou a importância de as empresas validarem o pilar Social. “As companhias precisam acreditar que é possível fazer segurança e investir em ‘Social’ com eficiência. É um mito dizer que não dá. Muitas empresas acabam ficando nesse dilema, que não existe. Se você estabelecer bons processos com o uso de tecnologia, você pode ser seguro e eficiente. Dá para buscar as duas coisas ao mesmo tempo.”